sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Eu acuso !


(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)

Meu dever é falar, não quero ser cúmplice.
(...) (Émile Zola)

Foi uma tragédia fartamente anunciada.
Em milhares de casos, desrespeito.
Em outros tantos, escárnio.
Em Belo Horizonte, um estudante processa
a escola e o professor que lhe deu notas
baixas, alegando que teve danos morais
ao ter que virar noites estudando para
a prova subsequente.

(Notem bem: o alegado “dano moral” do
estudante foi ter que... estudar!).
A coisa não fica apenas por aí.

Pelo Brasil afora, ameaças constantes.

Ainda neste ano, uma professora brutalmente
espancada por um aluno.

O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.

O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com
sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua
esposa e filhas, com as lágrimas eternas de
sua mãe, pela irresponsabilidade que há
muito vem tomando conta dos ambientes
escolares.

Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada.

A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso,
às regras de bem viver e à autoridade foi elevada
a método de ensino e imperativo de convivência
supostamente democrática.

No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se
nas ruas que “era proibido proibir”.
Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”.
A coisa continuou:
“Não reprove, que atrapalha”.
Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar
o perfil dos nossos alunos”.
Aliás, “prova não prova nada”.
Deixe o aluno “construir seu conhecimento.”
Não vamos avaliar o aluno.
Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”.
Afinal de contas, ele está pagando...

E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação
geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!),
prosseguiu a todo vapor, em vários setores:
“o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar
‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter
conhecimento é ser ‘crítico’.”

Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos
de panfleto e burocratas carreiristas ganhou
um imenso impulso com a mercantilização
desabrida do ensino: agora, o discurso
anti-disciplina é anabolizado pela
lógica doentia e desonesta da
paparicação ao aluno – cliente...

Estamos criando gerações em que uma parcela
considerável de nossos cidadãos é composta
de adultos mimados, despreparados para
os problemas, decepções e desafios da
vida, incapazes de lidar com conflitos
e, pior, dotados de uma delirante
certeza de que “o mundo lhes
deve algo”.
Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas,
cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina,
bem no coração de um professor.
Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia
vir a ter, sentir, amar.

Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos
todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei.

Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido
processo legal, que se iniciará com a denúncia,
a ser apresentada pelo Ministério Público.
A acusação penal ao autor do homicídio covarde
virá do promotor de justiça.
Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola,
EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende
relativizar tudo e todos, equiparando certo
ao errado e vice-versa;

EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto,
que romantizam a “revolta dos oprimidos”
e justificam a violência por parte daqueles
que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas
do politicamente correto, que impedem a escola
de constar faltas graves no histórico escolar,
mesmo de alunos criminosos, deixando-os l
ivres para tumultuar e cometer crimes
em outras escolas;

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com
mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia
a dia, serão pressionados a dar provas bem
tranqüilas, provas de mentirinha, para
“adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;

EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação,
que em nome de estatísticas hipócritas e interesses
privados, permitiram a proliferação de cursos
superiores completamente sem condições,
freqüentados por alunos igualmente sem
condições de ali estar;

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino,
a venda de diplomas e títulos sem o mínimo
de interesse e de responsabilidade com o
conteúdo e formação dos alunos, bem como
de suas futuras missões na sociedade;

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente,
cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado
e enganado, o qual, finge que não sabe que,
para a escola que lhe paparica, seu boleto
hoje vale muito mais do que seu sucesso e
sua felicidade amanhã;

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam
seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais
só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo
que o número de alunos com segundo grau completo
cresceu “tantos por cento”;

EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham
pela massificação do ensino superior, sem entender
que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de
preparo civilizacional, intelectual e moral,
pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno
“terá direito” de se tornar médico ou advogado
sem sequer saber escrever, tudo para o desespero
de seus futuros clientes-cobaia;

EU ACUSO os que agora falam em promover um
“novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”,
pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura
da “vergonha na cara”, do respeito às normas,
à autoridade e do respeito ao ambiente
universitário como um ambiente de busca
do conhecimento;

EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam
que disciplina é “careta”, que respeito às normas
é coisa de velho decrépito;

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores,
que se tornaram templos de vendilhões, nos
quais votos são comprados e vendidos em
troca de piadinhas, sorrisos
e notas fáceis;

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade
dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas,
assim como ACUSO os professores que, vendo tais
alunos colarem, não têm coragem de aplicar
a devida punição;

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores
que impedem os professores de punir os alunos
que colam, ou pretendem que os professores
sejam “promoters” de seus cursos;

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram
condutas desrespeitosas de alunos contra professores
e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos
incidentes é diretamente responsável pela ocorrência
dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes, serão despejados na vida como adultos
eternamente infantilizados e totalmente despreparados,
tanto tecnicamente para o exercício da profissão,
quanto pessoalmente para os conflitos, desafios
e decepções do dia a dia.

Ensimesmados em seus delírios de perseguição
ou de grandeza, estes jovens mostram cada
vez menos preparo na delicada e essencial
arte que é lidar com aquele ser complexo
e imprevisível que podemos chamar
de “o outro”.

A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica,
hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto:
“Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor.
Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão.
Se me drogo, a culpa é dos meus pais.
Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema.
Eu, sou apenas uma vítima.
Uma eterna vítima.
O opressor é você, que trabalha, paga suas contas
em dia e vive sua vida.
Minhas coisas não saíram como eu queria.
Estou com muita raiva.
Quando eu era criança, eu batia os pés no chão.
Mas agora, fisicamente, eu cresci.
Portanto, você pode ser o próximo.”

Qualquer um de nós pode ser o próximo,
por qualquer motivo.
Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas.
A facada ignóbil no professor Kássio dói
no peito de todos nós.
Que a sua morte não seja em vão.
É hora de repensarmos a educação brasileira
e abrirmos mão dos modismos e invencionices.
A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar
nas escolas e universidades é fazermos as pazes
com os bons e velhos conceitos de seriedade,
responsabilidade, disciplina e
estudo de verdade.

Igor Pantuzza Wildmann

Fontes:
http://pensamentosrolantes.blogspot.com
irisdequeiroz.blogspot.com/Imagem

2 comentários:

  1. Eu acuso esta sociedade de viver o simulacro da educação e da exigência.
    A Educação é um teatro de fantoches, onde se valoriza o acidental e não o essencial.
    O docente deixou de ser uma referência para ser uma excrecência.
    Como docente, lamento que os media apenas valorizem as falhas e raramente o trabalho meritório da escola e dos seus profissionais.

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  2. Oi, Flor, td bem?

    Vc anda muito sumida, te acuso.. rs rs.

    Brincadeira, é um ótimo texto para refletir, educação é futuro.

    Um beijo.

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