Eram seis horas de uma manhã fria e o sol, suavemente, aparecia no alto do morro do amor, aquecendo algumas casas humildes. Sentado na varanda, desviei o olhar da colina e passei a observar o quintal: o mato ao redor das roseiras e a buganvília com seus galhos compridos e espinhosos, sufocando a jabuticabeira. Fechei os olhos e recostei a cabeça, ouvindo mentalmente a reclamação da mulher, imitando o Boris Casoy:
- Paulo... Chama alguém pra limpar esse quintal! Isso é uma vergonha...
Mas chamar quem, se o último levou o dinheiro adiantado e não retornou... Só depois de muito tempo surgiu todo humilde, com a “cara de bobo”, contando sua internação e, que só não morreu, porque fugiu do hospital.
Pior que conta com tanta convicção que a gente pensa que o hospital é ruim mesmo!
Mas cansado de ser enganado, resolvi eu mesmo limpar o terreno e agradar a esposa. Caminhei até a garagem, peguei a enxada, ancinho, tesoura de podar e fui trabalhar. Claro, sem a disposição de peão: comigo as coisas são lentas, sem estresse, duas podadas e parava... Olhava para o céu e pensava na vida, até que, numa dessas meditações, ouvi meu nome:
- Paulo!
Olhei ao redor e não vi ninguém. Parecia voz do além, alma do outro mundo e sem saber de onde vinha, lembrei o aviso do pastor, na sessão do descarrego:
- Se ouvir seu nome, não responda, pode ser o demônio!
Mas escutei de novo:
- Paulo!
Desta vez me arrepiei e, como bom medroso cinéfilo de terror, falei comigo mesmo:
- Quer saber de uma coisa? Eu vou responder... Se for o "capiroto" que se dane! Faço o sinal da cruz e digo que “tá amarrado”!
Sai pelo quintal olhando os cantos, abrindo os galhos e perguntava:
- Quem é? Quem é? Fiz isso até chegar ao portão e alguém responder:
- Sou eu seu Paulo, o bebuuummm!
Ao ouvir sua voz, abri o portão irritado:
- Po bebum! Não tem o que fazer não?
- Se tivesse seu Paulo... Não vinha aqui pedir biscate...
- Biscate? Que isso... Suicídio, hé? Já ta meio morto... Todo esquelético...
Ele me olhou meio “vesgo”, tipo siri e respondeu:
- Pô seu Paulo... Deixa de sacanagem...
Sacanagem não... Tem que se cuidar! E tem mais: Se passar pelo cemitério, o coveiro manda entrar e aguardar na “cova de espera”!
Ele colocou as mãos nos ouvidos, andou até o poste resmungando e depois voltou:
- Pô seu Paulo... To falando sério e fica de zoação!
De repente tremeu e ficou mais vesgo, seqüela da abstinência. Com pena, resolvi ajudá-lo... Claro, cheio de recomendações:
- Escuta bebum... Vou te dar um minúsculo serviço por dois motivos: primeiro não fez “cara de bobo”... Já tem de nascença! Segundo, não pediu dinheiro adiantado. Mas tem uma coisa: precisa se alimentar... Só cachaça, vira pudim!
Ele entrou, fechei o portão e subimos a rampa, conversando:
- Quero que roce só o capim, sem pressa e muito cuidado com as roseiras... Sabe como é minha mulher... É cheia de coisas com as plantas e nem gosta de você aqui desse jeito... Tem que terminar, antes dela voltar.
E levando-o ao quintal, mostrei-lhe as flores:
- Tá vendo isso aqui? É uma roseira... Presta atenção pra depois dizer que não avisei... Tem várias espalhadas no jardim, entendeu?
- Deixa comigo seu Paulo... Dona Ana vai ficar satisfeita!
Depois dos avisos, sai tranqüilo e fui descansar. Meia hora depois retornei com alguma coisa para ele comer. Mas só deu tempo de colocar a bandeja sobre a mureta e levar as mãos à cabeça: acho que recebeu o caboclo “rompe mato” e simplesmente meteu a foice em tudo. Fez o que dez capinas da multiprof não fariam, mesmo se quisessem...
Diante da tragédia paralisei de boca aberta e o idiota, achando que meu espanto era satisfação, ficou rindo, exibindo as gengivas, alegrinho pelo serviço!
Para piorar, a mulher chegou mais cedo e enquanto fechava o portão, o joguei no chão, tentando camuflá-lo em moita, jogando capim sobre ele, mas ela lá de baixo, desconfiou:
- Quem ta aí Paulo?
- É o bebum, amor... Larguei-o no chão e disfarcei: - Acho que o jogaram pelo muro do vizinho e caiu aqui no quintal, em cima de suas roseiras!
Ele ainda quis desmentir, mas cobri sua boca com a mão e corri, me escondendo no quarto de cima. Com os gritos, espiei pela fresta da janela e o vi fugindo desesperado, ela atrás, riscando o fósforo e jogando em cima dele:
- Pára com isso dona Ana... A senhora quer me incendiar?
E ela possessa, gritava:
- Vem cá seu bebum maluco... Quero minhas roseiras de volta ou vai virar dragãoooo!
walter monteiro
Hahaha.. muito legal, adoro esses contos, o melhor da historia não esta no final, e sim, como ela é contada.
ResponderExcluirUm beijo, querida.