quarta-feira, 22 de julho de 2009

Burca (veste feminina que cobre todo o corpo)


O dia em que a escória foi a forra...

Quem você discrimina? Gaguejou, demorou demais para responder. Tudo bem, não precisa responder agora, nem depois de ler este texto.

Diz a lenda que, em determinado momento de nossa história, um grande pensador da humanidade, o senhor Claude Lévi-Strauss, foi convidado a fazer um discurso na ONU onde o tema em questão era cultura, diferenças, tolerância e essa ladainha toda. O mestre Strauss, então, foi ao púlpito, respirou fundo, deu uma ajeitada na cueca que atochava-lhe o rêgo e disse:

- Os povo é assim mesmo, jão. Não tem sociedade tolerante, não, meus trutas do mundo global, todo mundo odeia todo mundo e é assim mesmo… fazer o quê?

Todo mundo esperava uma apoteose onde o senhor supracitado fizesse todos chorarem e porem a mão no coração. Ao contrário. O mesmo tornou-se persona non grata nos arredores da ONU e nunca mais pode ficar junto com um grupo de pessoas com mais de uma nacionalidade diferente. Reza a lenda.

Mas por quê escrever tudo isto? Simples: certo dia estava eu no metrô voltando de um certo lugar e em direção à casa de minha avó. Ao fazer a baldeação em certa estação, deparo-me com uma pessoa muito peculiar à minha frente, na escada rolante: uma senhora envolta por longos tecidos e acompanhada de mãos dadas com seu marido. Iam na mesma direção que a minha. Notei que ela chamava a atenção de todos ao redor, mas não conseguia ver o que se passava, pois ela estava de costas. Até que, quase terminando percurso da escada rolante, vejo o que havia de tão diferente em tudo isto – a mulher usava uma de burca, onde a única parte de seu corpo que ficava à mostra eram seus olhos.

Curioso com a situação, resolvi segui-los, de forma que pudesse pegar o mesmo vagão que ambos e ver o que decorreria de tudo aquilo. E assim foi. Sentaram-se. Fiquei em pé no vagão, enconstado em uma das portas, de modo a ver, em 180 graus, as reações das pessoas em relação ao casal. Todos trocavam olhares e viam com a mesma curiosidade que a minha aquela cena típica de jornais exibindo imagens do outro lado do mundo. Quando, então, uma imbecil quebrou o silêncio.

“Ah, ele que saia logo desse trem, não quero que ele exploda nada perto de mim, que vá pra lá”, dizia uma mulher. Loira, de média altura, exibia traços de obesidade mórbida, seja por não ter sido educada corretamente a se alimentar, seja por não ter bom senso ao escolher uma refeição ou seja por não ter dinheiro suficiente para comprar nada além de um X-tudo em sua hora de almoço. Era o tipo de mulher que é ponto de referência, todos apontam e notam sua respiração ofegante e sua pele lustrada pela transpiração quando passam por ela ao caminharem pela rua. O tipo da mulher que tem vergonha do corpo para ir à praia ou que sente constrangimento ao se sentar em assentos estreitos, mas nunca tem este tipo de sentimento ao comer em público.

Sua interlocutora, que apenas dava risada dos resmungos, era negra. Gargalhava com gosto, exibindo a falta de alguns dentes em sua boca. Por estar naquele horário no metrô, provavelmente retornava de seu trabalho, mas pela sua face maltratada e pela condição histórica que tem sido imposta à sua raça ao longo dos anos no país, provavelmente ocupava um subemprego daqueles em que se é invisível e que os outros só dão sua falta quando você não está lá. Além de sofrer humilhações não-verbais, deve contentar-se com um salário mínimo por mês, que tem de repartir com seus filhos.

“Olha só, coitada da mulher, não dá nem um espacinho para ela respirar! Que absurdo! Como vive assim?”, a loira continuava em tom de deboche para outra pessoa. Este, um jovem pardo. De fones de ouvido e roupas antigas já surradas, era o estereótipo do homem que tem sua entrada negada em uma agência bancária, ou é seguido por seguranças em qualquer loja de departamentos que entre. Também é a cópia fiel daquele que você levanta os vidros do seu carro quando vê atravessar a rua.

As três pessoas não se conheciam até o momento, mas resolveram ficar amigas para fazerem piadas e discriminarem aquele corpo estranho que era o casal. As palavras da loira gorda eram ditas de forma enfática e nem um pouco discreta, de modo que o casal certamente ouvira, visto que a distância era pequena e eu estava mais próximo da mulher de burka e seu marido do que daqueles três mazelados.

Ao casal, sobrou a serenidade de aturar aquelas palavras, visto que não a ouviam pela primeira vez.

Aos três, sobrou a vontade de esquecerem da vida que levavam e de todas as cicatrizes de seus corpos.

A mim, sobrou este texto e a sensação de como somos infelizes.

Ninguém se lembrou de admirar a expressividade dos olhos amendoados daquela mulher.

Disto tudo, apenas Lévi-Strauss tinha razão.

Fonte: teletube.wordpress.com

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